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  Reflexão sobre o tabu em relação a morte marca a última Sessão Averroes de 2013
Texto e fotos: João Paulo Brito
  27/11/2013



A última SESSÃO AVERROES de 2013, realizada nesta terça (26), na Cinemateca Brasileira, foi marcada pela reflexão sobre o tabu social que cerceia as discussões sobre a morte, o papel das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) nos hospitais e os atendimentos prestados pelos serviços funerários.

O encontro contou com a presença de Maria Júlia Kovács, psicóloga, pesquisadora e professora Livre docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Estudos sobre a Morte, e Giovanni di Sarno, médico especialista em pediatria, saúde pública e administração hospitalar, consultor do Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (CEALAG) e docente do programa de pós-graduação em Administração Hospitalar pela Faculdade de Medicina da Santa Casa, além da mediação da médica paliativista Dalva Yukie Matsumoto.

A conversa foi precedida pelo filme “O Caminho para casa”, do diretor chinês Zhang Yimou, que conta a história de um homem que, a pedido da mãe, precisa levar o corpo de seu pai da cidade onde este morreu até a vila em que vivera. Em respeito à tradição local, o caixão deve ser carregado a pé pela comunidade.

Apresentando a estrada entre a cidade e a vila como grande protagonista, o filme mostra belas imagens coloridas para ilustrar a comovente história de amor vivida pelo casal chinês, 40 anos antes da morte do marido, em contrapartida ao branco e preto nas cenas que retratam o duro presente, gerando interpretações diversas sobre o luto e a vida, o velho e o novo, e até mesmo sobre o presente e o passado político da China – o durante e o depois da Revolução Cultural de Mao Tse Tung.

O longa, no entanto, é claro quanto a sua abordagem central: a morte. Tema que, segundo Giovanni, é ainda evitado e tratado de forma supersticiosa pelas sociedades ocidentais, mesmo dentro dos hospitais, onde é considerada uma derrota entre os profissionais da saúde.

“Sempre pergunto para os alunos nos hospitais quem teve, alguma vez, algum curso que fale sobre morte, e a resposta é quase sempre unânime: ninguém”, contou o especialista, apontando a necessidade de um maior treinamento para os profissionais lidarem com este último momento da vida, tendo em vista que 90% das mortes ocorrem em ambientes hospitalares.

De acordo com a afirmação de que a finitude é muito pouco trabalhada entre os médicos e enfermeiros está Hildete Teresin, coordenadora do curso de Pós-Graduação de Hotelaria Hospitalar no Senac, que foi assistir a Sessão Averroes principalmente para ouvir as palavras de Maria Júlia Kovács, pesquisadora que estuda em seu mestrado em Hospitalidade na Anhembi Morumbi.

“Fico pensando: porque não trabalhar de forma sistematizada a despedida? Nós precisamos o tempo todo refletir sobre as perdas, o resgate, sobre como reconstruir aquilo que parece que vai e que podemos de alguma forma retomá-lo de maneira mais humana”, ponderou.

A própria Kovács respondeu, alegando que uma das grandes batalhas deveria ser organizar rituais religiosas de despedida dentro dos hospitais. “Um grande desafio nosso poderia ser tornar rituais de despedida possíveis dentro, por exemplo, de uma Unidade de Terapia Intensiva, caso a pessoa esteja lá.”

Mas este tabu que envolve a sociedade a respeito da morte possivelmente é alimentado pela distância física entre uma pessoa que falece e seus familiares, ponderou Giovanni. O filme “O caminho para casa” mostra que o ritual é realizado porque o marido morreu longe de sua esposa, no hospital da cidade.  A morte na aldeia possivelmente eliminaria a necessidade de fazer essa cruzada pela estrada.

“É um pouco isso que acabamos patrocinando, as pessoas morrem distantes e a gente quer fazer alguma coisa para resgatar ainda aquele momento de convivência que não tivemos porque elas foram isoladas num hospital. Se morrêssemos mais próximos um do outro, não haveria tanta necessidade de fazermos tantos rituais”, afirmou o médico.

A superstição da UTI

“Nós temos uma sociedade que é ávida pela morte aguda, todo mundo gosta de notícias de corpos mutilados, sangue, etc., e é muito interessante como a morte crônica nos causa horror”, completou a médica Dalva Matsumoto.

A paliativista, que coordena a Assistência Domiciliária e a Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, além de ser diretora clínica do Hospital Premier e do Instituto Paliar, ressaltou que a grande maioria das pessoas atualmente ainda morre em hospitais, principalmente isolada em UTIs, distante do que seria a “morte ideal”, isto é, em casa, ao lado dos familiares.

As unidades de terapia intensiva, pontuou o médico David Braga Jr., são apenas mantenedores de um sistema hospitalar perdulário, caro, e inútil, principalmente para a população idosa. “Se tirar de dentro dos hospitais de São Paulo as salas de UTIs, quebram todos eles, nenhum sobrevive. E o velho é quem está alimentando a economia da rede hospitalar.”

Para Sergio Gomes, diretor da OBORÉ, foi criada na sociedade a superstição da UTI. “Quantos são os casos de pessoas acima de 65 que passaram pela UTI e saíram melhor? Pelo que me parece, não há caso, todo mundo sai pior ou não sai. Estamos falando de um modelo desumano e absolutamente inviável do ponto de vista econômico”, pontuou.

Funerárias

O jornalista também criticou o atendimento realizado pelas funerárias, contando que, num momento em que esteve em grande fragilidade por conta da perda de um parente próximo, foi abordado por um agente funerário que lhe propôs preparar o corpo de seu familiar exigindo o pagamento imediato, em dinheiro.

“Esse cara me aborda, disse que estava se aposentando após oito anos na funerária, que tinha várias casas de aluguel, uns quatro ou cinco táxis, e me abordou exigindo R$ 500 em dinheiro, dizendo ‘você vai querer que ele fique bonito, né!?’”.

Para a médica Dalva Matsumoto, são em situações como esta que a maioria das pessoas se endivida para dar um enterro que acha que é digno para seus familiares. A paliativista conta que, certa vez, a queixa de uma família ajudou sua equipe a desmantelar uma pequena quadrilha que atuava nos funerais. Descobriram que havia uma rede com um esquema para abordar pessoas durante os velórios e forçá-las a comprar utensílios, como coroas flores, por exemplo.

Já Maria Júlia Kovács, que ministrou cursos no serviço funerário municipal, disse que através do contato com os agentes funerários descobriu que eles são os únicos funcionários públicos que não ganham nem o salário mínimo, além de não terem nenhum tipo de reconhecimento, seja pelos governantes ou seja pela população que usa o serviço.

“Essas denuncias que me trazem são muito sérias, mas não representam o serviço funerário como um todo”.

Para Dalva, olhar estas questões também faz parte dos Cuidados Paliativos, que prega o dever de cuidar do paciente desde o diagnóstico até a morte, e cuidar da família após a morte, no período do luto.

“Costumo dizer que não adianta utilizar toda a tecnologia e conhecimento médico para oferecer uma boa assistência se depois no funeral a gente peca. Se um funcionário que vai entregar uma declaração de óbito é grosseiro, ele vai destruir tudo aquilo que a minha equipe de cuidados paliativos fez. O que vai ficar para a família é a última imagem.”

 
 
 
   
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